Em um mundo marcado por guerras religiosas, desigualdades e a busca por sentido, o frade dominicano Tommaso Campanella imaginou um lugar onde a razão, a igualdade e o conhecimento reinavam supremos. Escrito em 1602 e publicado em 1623, A Cidade do Sol (em italiano, La Città del Sole) é uma das grandes utopias do Renascimento, ao lado de Utopia de Thomas More e Nova Atlântida de Francis Bacon. Mas o que torna essa obra tão especial? Como um prisioneiro da Inquisição sonhou com uma sociedade perfeita? Nesta resenha, exploramos os temas, o contexto e o legado desse livro visionário que ainda provoca reflexões sobre nosso presente e futuro.
O Contexto: Um Frade Rebelde na Prisão

Tommaso Campanella (1568-1639) não era um escritor comum. Nascido na Calábria, Itália, ele entrou para a Ordem Dominicana aos 15 anos, mas sua mente inquieta o levou a desafiar dogmas. Inspirado por filósofos como Giordano Bruno e pela ciência emergente de Copérnico, Campanella foi acusado de heresia e conspiração contra o domínio espanhol em sua terra natal. Preso em 1599, passou 27 anos encarcerado, enfrentando torturas e solitude. Foi nesse cenário sombrio que ele escreveu A Cidade do Sol, primeiro em italiano e depois em latim, como um grito de esperança em meio ao desespero.
O livro nasceu em um Renascimento tardio, quando a Europa oscilava entre a fé medieval e a razão moderna. Campanella, com sua mistura de teologia e filosofia natural, criou uma utopia que reflete tanto os ideais de sua época quanto uma crítica aos seus horrores.
A Cidade do Sol: Uma Sociedade Ideal
A Cidade do Sol é estruturado como um diálogo entre um cavaleiro hospitalário e um marinheiro genovês, que descreve uma ilha fictícia descoberta em suas viagens. A cidade, chamada simplesmente “Cidade do Sol”, é governada por um príncipe-sacerdote chamado Sol, auxiliado por três ministros: Pon (Poder), Sin (Sabedoria) e Mor (Amor). Essa trindade reflete a harmonia que Campanella buscava entre força, intelecto e compaixão.
A sociedade é radicalmente diferente da Europa de então:
- Propriedade Comum: Não há posse individual. Tudo — terras, bens e até relações — pertence à coletividade, eliminando a ganância e a pobreza.
- Educação Universal: Todos, homens e mulheres, são educados desde a infância em ciências, artes e ofícios, com o conhecimento exposto em murais nas sete muralhas concêntricas da cidade.
- Eugenia Controlada: O amor e a reprodução são regulados pelo Estado para gerar cidadãos saudáveis e inteligentes, uma ideia controversa que ecoa debates modernos sobre ética.
- Religião Natural: A fé é baseada na razão e na observação da natureza, rejeitando dogmas rígidos em favor de uma espiritualidade quase panteísta.
A cidade é circular, com um templo solar no centro, simbolizando a luz do saber e da divindade. Campanella mistura astronomia (influenciada por Copérnico) com simbolismo cristão, criando uma utopia que é ao mesmo tempo científica e mística.
Pontos Fortes: Uma Visão à Frente de Seu Tempo
A Cidade do Sol brilha por sua ousadia. Campanella antecipa ideias que só ganhariam força séculos depois: a educação como direito universal, a abolição da propriedade privada (ecoando o socialismo) e o uso da ciência para melhorar a vida. Sua ênfase na igualdade de gênero, com mulheres participando plenamente da sociedade, é notável para o século XVII. O livro também reflete o otimismo renascentista na capacidade humana de construir um mundo melhor, mesmo que idealizado.
O estilo é outro ponto alto. Apesar de curto — cerca de 50 páginas em edições modernas —, o texto é denso e poético, com descrições vívidas da cidade e seus costumes. O diálogo flui como uma conversa filosófica, convidando o leitor a imaginar junto.
Pontos Fracos: Os Limites da Utopia
Nem tudo em A Cidade do Sol envelheceu bem. A regulação estatal do amor e da reprodução soa autoritária aos olhos modernos, mais próxima de uma distopia que de um ideal. A ausência de liberdade individual, com cada aspecto da vida controlado, pode repelir leitores que valorizam a autonomia. Além disso, a influência teológica de Campanella, com Sol como uma figura messiânica, às vezes pesa mais que a razão que ele promete exaltar.
O contexto prisional também limita a obra. Escrita sob pressão, ela carece do desenvolvimento narrativo de Utopia de More ou da profundidade científica de Bacon. É mais um esboço brilhante que um tratado completo.
O Legado: Inspiração e Debate
A Cidade do Sol não transformou o mundo como Campanella sonhou — ele morreu exilado na França, ainda sob suspeita da Igreja. Mas sua influência é inegável. Inspirou utopistas posteriores, como os socialistas do século XIX, e ecoa em discussões sobre urbanismo e sociedade ideal. Sua visão de uma cidade educada e igualitária ressoa em experimentos modernos, mesmo que suas ideias mais extremas sejam rejeitadas.
Para os leitores de hoje, o livro é um convite a refletir: o que significa uma sociedade perfeita? Até onde o controle estatal pode ir sem sufocar a liberdade? Campanella nos desafia a equilibrar utopia e realidade.
Por Que Ler “A Cidade do Sol”?
Se você gosta de história, filosofia ou ficção especulativa, A Cidade do Sol é uma joia. É curto o suficiente para uma leitura rápida, mas denso o suficiente para provocar pensamentos profundos. Disponível em edições acessíveis (como as da Martin Claret ou em domínio público online), ele é um mergulho no Renascimento e na mente de um homem que, mesmo preso, sonhou com a liberdade da humanidade.
O que você acha de uma sociedade sem propriedade ou com educação em cada esquina? Compartilhe suas impressões nos comentários e descubra esse clássico comigoResenha de A Cidade do Sol, de Campanella: uma utopia renascentista com igualdade e saber. Leia sobre seus segredos e legado!